Sou pesquisador histórico sobre artes marciais e participo de alguns grupos de pesquisa, estou há 10 anos por exemplo pesquisando e escrevendo sobre George Gracie.
Não sou historiador profissional que depende disso pra viver, porém. Depois dessas credenciais, vamos ao que interessa.
Mas nem é disso que quero falar, aliás, está interligado. Por causa da artes marciais eu me interessei há um tempo sobre o período medieval e principalmente para entender uma época que é mal compreendida por nossa geração.
O entendimento que temos hoje sobre essa época é de uma era de trevas, atrasada como se fosse umas férias de Deus.
Só que na realidade foi bem diferente, trazendo agora sobre a análise crítica do papel da mulher na sociedade eu observei como as relações foram se deteriorando na verdade em outras épocas, não no medievo.
A mulher nessa era tinha um papel na sociedade (apesar das diferenças biológicas que evidente sempre nos diferenciam em algum ponto) de igual pra igual aos homens.
A Dama (Lady) tinha o mesmo status social que o Cavaleiro (Knight) no sentido de que ela tinha um papel crucial, uma preparação ritualística e uma responsabilidade de liderança que a sociedade esperava.
Claro que tínhamos diferenças de castas (nem sei se esse termo representa o significado correto) entre as classes sociais, mas o ideal da mulher era semelhante por mais que os meios não fossem os mesmos.
Nosso olhar machista moderno
Um dos grandes problemas da análise sobre o período medieval é usarmos nossos preconceitos atuais para tentar entender a cultura.
No excelente livro: Knight: The Warrior and World of Chivalry (General Military) da Osprey tem uma análise bem curiosa:
“Perhaps the most bizarre is a series of plates dealing with the fight between a man and a woman, the former standing waist-deep in a pit whilst the woman stands above him armed with a rock in a sock, or rather wrapped in a veil! (nota do autor: trecho original do livro)”
Em tradução livre: “Talvez o mais bizarro seja uma série de páginas que lidam com a luta entre um homem e uma mulher…”.
Como assim o mais BIZARRO?
O autor se refere a esse tratado: “Talhoffer Fechtbuch (MS Thott.290.2º)” que é de 1459, já nos instantes finais do medievo europeu.
É bizarro para o autor e para muitos historiadores porque eles não conseguem compreender como a mulher era uma Cavaleiro, desculpe, uma Dama (nossa, acho que machistei aqui) e era tão brava e duelística como os homens.
Os duelos se tornaram tão presentes na sociedade que forçou um Papa da época vir a público em condenação porque estávamos nos concentrando como sociedade a esse tipo de espetáculo, nosso entendimento sobre isso fica a cargo dos filmes da holiúdi estadunidense com cavaleiros enfeitados disputando a mão de uma Lady pra ganhar o trono de um pai zeloso.
Bem longe da realidade, existiam vários formatos de MMA da época e as mulheres disputavam de igual pra igual, inclusive contra homens e talvez quem sabe pela mão de um donzelo, vá saber.
Nossas Monjas Guerreiras
Um dos tratados mais antigos conhecidos pelos pesquisadores das HEMA (Historical European Martial Arts) é justamente entre um frade e uma freira no MS I.33 chamado de Walpurgis Fechtbuch, algo como Manual de batalha de Santa Valpurga.
O Templo de Shaolin nunca foi real (ou como temos em mente inspirado pela holiúde chinesa dos filmes de Kung Fu) e não tivemos monges guerreiros de forma ordenada no oriente, na verdade tivemos isso no ocidente.
Bem antes das cruzadas a igreja já recomendou que seus monges, tanto homens quanto mulheres, usassem treinamento militar e formassem ordens que defendessem a cristandade (leia Europa basicamente).
Mas o papel da mulher na análise histórica sempre ficou em segundo plano, aliás, removida dessa história a caricaturas que vinham a ser definidas nas eras posteriores.
Por mais irônico que seja, a partir da “renascença” e consolidando no “iluminismo” que a mulher saiu de um papel protagonista a se tornou submissa nas expectativas sociais.
Por uma volta da mulher medieval, aquela Dama que lidera.
[update 11 de setembro de 2017]
Aparentemente não era só na Europa católica, entre os Vikings a mulher também liderava.