Por inferência de conhecer um grande contigente de estudantes de universidades públicas, principalmente a Universidade Estadual do Ceará [UECE] e Federal do Ceará [UFC], eu sempre tive a impressão que o estudante era: branco, classe-média alta, de família abastada e representava uma casta com privilégios que as elites sempre gozaram, sustentada pelo dinheiro dos contribuintes.
Um amiga certa vez ficou escandalizada com essa minha visão, ela se via como pobre porque não tinha carro próprio, a coitada tinha que andar de ônibus. Apesar dela morar na Santos Dumont [coração da Aldeota, um dos bairros mais ricos de Fortaleza] e o apartamento da família custar 1 milhão de reais [dois por andar com mais de 100m2].
Agora até que enfim eu tive em mãos um estudo do perfil socioeconômico dos alunos da UFC. Apesar da amostra ínfima, a estatística demonstra que eu estava certo.
Como nos vemos
A conclusão do estudo:
“Aspecto 1: os universitários da UFC são jovens de até 24 anos, são pardos ou pretos e pertencem às classes B2, C, D e E”
É impressionante como a estatística pode ser usada para se adequar com o que eu quiser. Observe bem na página 7, tabela 6.3.1: Brancos 42%, Pardos 45% e Preta 6%. Como diabos voce pode dizer que são pardos ou pretos?
Voce poderia até dizer que são pardos ou brancos e que a população negra não tem acesso porque é atrasada pelo histórico de escravidão e baixas condições de competição digna com os brancos, ainda mais por estudarem em escolas públicas, enquanto os brancos estudam em escola particular a vida toda. Condição que passa de geração a geração com pouquíssimas exceções que só confirmam a regra.
Tem que lembrar que somos – principalmente no CE – descendentes de portugueses, um povo já miscigenado com mouro e com pele mais escura do que os germânicos e anglosaxões. Então quando alguém se diz pardo, geralmente é porque tem a pele um pouco mais escura e não se acha branco. Junte as duas, pardos e brancos e voce tem 87% de brancos, a “cor certa” para cursar a universidade pública.
Coitado de mim, sou pobre
Não existe classe E, D e C na universidade pública, se duvidar um ou dois malucos que caíram ali por descuido do destino. O estudante geralmente mora no Náutico, Aldeota ou bairros classe média como Fátima, Parquelândia, Montese e Cidade dos Funcionários, uma pena não terem coletado o lugar aonde moram, isso diz muito sobre o perfil econômico. Então essa minha suposição continua por Feeling, um dia chegamos lá.
Outro ponto:
“Aspecto 2: os universitários da UFC usam transporte público e são sustentados pela família. ”
Típico de um estudante classe média, mas por usar transporte público ele não se considera abastado, apesar de ter alguém que o sustente. O simples fato de ter que pegar ônibus para chegar na UFC já se classifica como pobre, apesar de que é mais fácil voce achar um Fiat UNO na FIC ou FLF do que na UFC.
Como realmente nós somos
O ponto mais explícito é:
“Aspecto 4: os universitários da UFC cursaram o Ensino Médio em escolas particulares, prestaram vestibular uma única vez, buscaram a UFC pela qualidade e gratuidade do ensino, cursam apenas uma carreira superior (geralmente no turno diurno) e desejam continuar estudando após a conclusão da graduação.”
Aqui é o ponto crucial da minha teoria, como o cidadão estuda a vida inteira numa escola particular e tem suas 10 mil horas garantidas, o estudante verdadeiro das classes C, D e E precisam fazer um cursinho, prestar vestibular diversas vezes e escolher profissões periféricas ou estudar a noite enquanto labuta de dia para sustentar sua faculdade particular.
Cotas
Eu não sou simplesmente a favor de cotas, eu sou a favor de ações afirmativas. Sou uma pessoa de ação, então se um grupo de luta etnica briga por privilégios de entrada para romper esse círculo vicioso eu estarei do lado deles, sejam índios, negros ou judeus russos.
Seria muito bom surgir alguma entidade de defesa de cotas para estudantes que estudaram apenas em escolas públicas, nivelaria muito o perfil socioeconômico e ajudaria a pessoas impedidas de ascender socialmente o contato com outro mundo.
Deixo a leitura obrigatória do Outliers.
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